Sunday, November 20, 2005

O que é o OSTENTUS?



O sonho do Peregrino: «Sonhei e vi algures um homem coberto de andrajos, que desviava os olhos da sua própria casa, com um livro na mão e um pesado fardo às costas.» Outro homem encontra-o e pergunta-lhe: «Vês aquela porta estreita?» «Não», respondeu o homem. «Vês aquela luz brilhante? Não percas essa luz de vista e encaminha-te para ela, e então verás a porta, e quando bateres dir-te-ão o que deves fazer.» (John Bunyan, The Pilgrim's Progress, 1678)

O peregrino é aquele que procura, é, portanto, aquele que, não se sentido satis-factum (terminado, completo) busca preencher a lacuna que sabe existir em si e que o faz movimentar-se quer na dimensão intelectual, quer na dimensão fisica. A procura é um sintoma da nossa condição de seres finitos, inacabados, incompletos.

Mas o que procuramos nós? Alguns julgam que é na posse de objectos que irão encontrar a plenitude, outros na posse de sabedoria. Seja como for, a posse está sempre associada à satisfação. No entanto, o que se verifica é que quanto mais possuimos menos nos sentimos plenos, parece que há algo que nos escapa sempre, então, tal qual circulo vicioso, continuamos a querer possuir, e assim caminhamos adictos a todo o tipo de bens.

São João da Cruz dá-nos um belo ensinamento quanto a esta problemática:

"Para vir a gostar tudo, não queiras ter gosto em nada.

Para vir a saber tudo, não queiras saber algo em nada,

Para vir a possuir tudo,

Não queiras possuir algo em nada".

Segundo João da Cruz, é no desprendimento de todas os bens que encontramos o Tudo, ou seja, a plenitude. Pois tudo o que existe, todos os entes, não têm uma verdadeira consistência ontológica, estão mais próximos do não-ser do que do ser. Como, então, poderiamos sentir-nos plenos possuindo estes "quase-nada"? O ser humano entra também nesta conjuntura, ele é, ao lado de outros entes, sustentado. Porém, a sua dimensão espiritual fá-lo ser diferente dos restantes elementos do cosmos. Ao ser humano foi dada a oportunidade de tender cada vez mais para o Ser, para a perfeição, para a plenitude. Por isso ele procura, faz-se Peregrino. O procurar do Peregrino não é uma irrequietude, é, antes, uma inquietude. Qual será a diferença entre estar irrequieto e estar inquieto? À primeira vista parece não haver qualquer distinção. De facto, andar irrequieto é não se saber ainda o que se procura, é caminhar ao acaso, ao sabor das circunstâncias, sem uma meta ainda definida. Por outro lado, andar inquieto, que é o sentimento próprio do Peregrino, é ver já a meta, no entanto saber-se que ainda não se a alcançou.

Se tudo o que existe é um "quase-nada", isto aponta para «o além de» (epekeina), para algo que não seja nada disto do que percebemos, do que compreendemos, do que pensamos. Neste sentido desembocaremos no Totalmente Outro (no ganz andere, no totaliter alter, na feliz expressão de Rudolf Otto).

Não tratamos aqui de argumentar para provar que os seres são sustentados, que não são auto-suficientes, damos este facto por adquirido, até porque o fio orientador que tentaremos seguir é o da Filosofia da Religião, numa perspectiva fenomenológica. Um bom estudo no âmbito da Ontologia irá conduzir às mesmas respostas.

Para não nos alongarmos demasiado, fica a informação do que pretendemos com este blog. Este projecto surge para expôr uma mundividência marcada pelo constante farejar de niveis mais profundos de sentido.

Agradecemos desde já a todos aqueles que, com os seus comentários, participarem no ostentus.

Ostentus-acção de mostrar, de expôr sob os olhares, estender diante, expôr, fazer ver...

1 Comments:

At 12:44 PM, Blogger Guilherme Castanheira said...

Moro com um(a) genio e não sabia!!

:)

parabens

 

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