Thursday, November 24, 2005

Aldeia na Cidade

Deambulando pelas ruas, à noite, podemos respirar o odor que se liberta das casas solitárias. É um cheiro a aldeia, a fumo das lareiras e a comida acabada de fazer. É certo que, como dizia há dias um amigo, aqui o anonimato não é possivel, mas será ele possivel em algum lugar? Mesmo numa grande metrópole há um circulo de pessoas que ajuizam sobre nós: os vizinhos do prédio, os donos do bar onde vamos sempre tomar café, as pessoas que vão ao mesmo jardim que nós passear os cães, etc.
Aqui as velhas espreitam às janelas para ver quem anda na rua, ninguém consegue passar despercebido. Nem disfarçam! Chegam mesmo a olhar para nós com olhos esbugalhados; se fixamos o nosso olhar no seu olhar elas não se deixam intimidar.
Penso que não temos de ficar aborrecidos com esta indiscrição. Isto até pode ser motivo para esboçarmos um sorriso. Tudo depende da maneira como o nosso olhar vê as coisas, pois "o olho é a lâmpada do corpo".

Monday, November 21, 2005

Sobre a (não) finalidade da Filosofia



«O progresso talha caminhos direitos; mas os caminhos tortuosos sem progresso são os caminhos do Génio.» (W.Blake, Marriage of Heaven and Hell, 1793)



A Filosofia é um fim em si mesma ou será um meio para um fim? Se optarmos pela última hipótese temos de referir que fim é esse para o qual a Filosofia é um meio. Esse fim é conhecermo-nos a nós mesmo. Pelo menos para isso, se é algo mais é o que averiguaremos mais à frente.
Também podemos dizer que a Filosofia se esgota em si mesma, que o amor à sabedoria, a constante busca dela é o móbil que nos faz viver. Todos queremos ser felizes e tentamos fazer aquilo que nos aproxime mais da felicidade. Ora, o filósofo não é diferente dos restantes homens. Portanto, quando o filósofo busca a sabedoria não é pela sabedoria em si, mas sim porque saber lhe dá prazer. Ele é feliz ou está mais próximo da felicidade vivendo constantemente a procurar saber mais. O filósofo não esgota a sabedoria, pois há sempre algo mais que ainda não se sabe; tem um oceano imenso onde navegar.
Quando tomamos a Filosofia como um meio para alcançarmos a verdade ela tem a missão de auxiliar. Mas que verdade é esta? Alguns diriam ou que ela não existe, pois apenas existem verdades particulares; ou que ela existe, mas que não a conseguimos alcançar devido às nossas limitações.
Também aquele que toma a Filosofia como um meio procura. Procura a verdade e vai encontrando pistas dela aqui e ali. Esta procura, de pista em pista, é, também para esses, um móbil, algo que os faz levantar todos os dias.
Afirmar que encontramos aquilo que procurávamos – a verdade – é uma grande responsabilidade e é, até mesmo, um acto de coragem, de rectitudo cordis. Muitos preferem manter-se na busca, pois julgam que se encontrarem estagnarão. São uma espécie de gnósticos.
Julgava que quando nos deparássemos com a verdade ela imediatamente nos fulminaria e acabaria ali a existência. Que sentido teria existir depois de se ter encontrado a causa de existir? Já a tínhamos, já a conhecíamos. Depois poderiamos reduzir-nos ao nada! Mas tal não acontece. Continuamos a viver! Como os apóstolos, pensamos montar três tendas e ficar por ali, mas acabamos por ter de descer.
Vejamos os prisioneiros da caverna. Também eles ficavam deslumbrados com a nitidez das sombras, só quando um deles se libertou e viu a origem daquelas sombras é que percebeu quanto tempo tinha andado a tomar por real aquilo que era uma aparência do real. Antes de se introduzir um segundo elemento que permite a comparação tudo é perfeito, mas depois de conhecermos o segundo termo é que podemos avaliar com propriedade a realidade. Mas, ainda não dissemos que verdade é esta que a Filosofia procura: esta Verdade é Cristo. Este preceito é como um porto. Tal como o porto, é um ponto de chegada, mas também é um ponto de partida.
Há uma analogia entre o "Ide e anunciai" e o facto de Platão, na República, defender que o político (filósofo) tem de ir, de descer para libertar os prisioneiros que se mantêm no fundo da caverna. São duas missões e bem parecidas.

Sunday, November 20, 2005

Macrobiótica

Em termos de alimentação, nunca como actualmente, houve uma tão grande preocupação com os malefícios causados por uma má educação alimentar. Pululam por todo o lado as lojas com alimentos macrobióticos, ervanárias e outras afins. As pessoas estão saturadas de quimicos e procuram alternativas, recorrem então a homeopatas (na maior parte dos casos estes não são mais do que "bruxos" sofisticados) e procuram medicamentos compostos por plantas. Poderiamos daqui extrair a conclusão de que as doenças provocadas pela má alimentação, tais como doenças cardiovasculares, obesidade, etc, estão, actualmente, em vias de extinção. Mas, paradoxalmente, o que acontece é que cada vez mais se morre de acidentes cardiovasculares, cada vez mais há pessoas obesas(esta doença afecta um número crescente de crianças). Qual a causa desta contradição? Se há melhores alimentos e mais informação no sentido de prevenir as doenças provocadas pela má alimentação, porque é que não há pessoas mais saudáveis?
O que sucede é que o desejo de satisfazer o apetite voraz leva a que se cometam abusos, para compensar estes excessos, aposta-se depois, numa alimentação macrobiótica. Podemos até mesmo falar de dialética da alimentação: vão-se alternando turnos de macrobiótica com os de satisfação voraz.

O que é o OSTENTUS?



O sonho do Peregrino: «Sonhei e vi algures um homem coberto de andrajos, que desviava os olhos da sua própria casa, com um livro na mão e um pesado fardo às costas.» Outro homem encontra-o e pergunta-lhe: «Vês aquela porta estreita?» «Não», respondeu o homem. «Vês aquela luz brilhante? Não percas essa luz de vista e encaminha-te para ela, e então verás a porta, e quando bateres dir-te-ão o que deves fazer.» (John Bunyan, The Pilgrim's Progress, 1678)

O peregrino é aquele que procura, é, portanto, aquele que, não se sentido satis-factum (terminado, completo) busca preencher a lacuna que sabe existir em si e que o faz movimentar-se quer na dimensão intelectual, quer na dimensão fisica. A procura é um sintoma da nossa condição de seres finitos, inacabados, incompletos.

Mas o que procuramos nós? Alguns julgam que é na posse de objectos que irão encontrar a plenitude, outros na posse de sabedoria. Seja como for, a posse está sempre associada à satisfação. No entanto, o que se verifica é que quanto mais possuimos menos nos sentimos plenos, parece que há algo que nos escapa sempre, então, tal qual circulo vicioso, continuamos a querer possuir, e assim caminhamos adictos a todo o tipo de bens.

São João da Cruz dá-nos um belo ensinamento quanto a esta problemática:

"Para vir a gostar tudo, não queiras ter gosto em nada.

Para vir a saber tudo, não queiras saber algo em nada,

Para vir a possuir tudo,

Não queiras possuir algo em nada".

Segundo João da Cruz, é no desprendimento de todas os bens que encontramos o Tudo, ou seja, a plenitude. Pois tudo o que existe, todos os entes, não têm uma verdadeira consistência ontológica, estão mais próximos do não-ser do que do ser. Como, então, poderiamos sentir-nos plenos possuindo estes "quase-nada"? O ser humano entra também nesta conjuntura, ele é, ao lado de outros entes, sustentado. Porém, a sua dimensão espiritual fá-lo ser diferente dos restantes elementos do cosmos. Ao ser humano foi dada a oportunidade de tender cada vez mais para o Ser, para a perfeição, para a plenitude. Por isso ele procura, faz-se Peregrino. O procurar do Peregrino não é uma irrequietude, é, antes, uma inquietude. Qual será a diferença entre estar irrequieto e estar inquieto? À primeira vista parece não haver qualquer distinção. De facto, andar irrequieto é não se saber ainda o que se procura, é caminhar ao acaso, ao sabor das circunstâncias, sem uma meta ainda definida. Por outro lado, andar inquieto, que é o sentimento próprio do Peregrino, é ver já a meta, no entanto saber-se que ainda não se a alcançou.

Se tudo o que existe é um "quase-nada", isto aponta para «o além de» (epekeina), para algo que não seja nada disto do que percebemos, do que compreendemos, do que pensamos. Neste sentido desembocaremos no Totalmente Outro (no ganz andere, no totaliter alter, na feliz expressão de Rudolf Otto).

Não tratamos aqui de argumentar para provar que os seres são sustentados, que não são auto-suficientes, damos este facto por adquirido, até porque o fio orientador que tentaremos seguir é o da Filosofia da Religião, numa perspectiva fenomenológica. Um bom estudo no âmbito da Ontologia irá conduzir às mesmas respostas.

Para não nos alongarmos demasiado, fica a informação do que pretendemos com este blog. Este projecto surge para expôr uma mundividência marcada pelo constante farejar de niveis mais profundos de sentido.

Agradecemos desde já a todos aqueles que, com os seus comentários, participarem no ostentus.

Ostentus-acção de mostrar, de expôr sob os olhares, estender diante, expôr, fazer ver...